The Honkers Tour 2005
Por Bruno Carvalho, jornalista e guitarrista da banda ‘The Honkers’
28 de janeiro
Enfim é chegado o grande dia. A expectativa tomando conta, afinal seriam 38 dias de rock non-stop por todos os buracos do país, mais Argentina e Uruguai. No caminho até o ponto zero da viagem, a casa do guitarrista, motorista e faz-tudo Felipe Brust, vou recebendo os conselhos da família, sobre os perigos da estrada, e a importância de se alimentar bem durante toda a aventura. No local de partida encontro Dimmy Drummer, nosso batera, e Brust arrumando “Rebeca” (nosso automóvel que, aliás, havia acabado de sair da revisão) para o início da viagem. Saímos do bairro da Pituba em direção a Cidade Baixa de Salvador, onde encontraríamos Rodrigo Sputter (vocal) e Thiago (baixo) e seguiríamos viagem em direção à cidade de Itabuna.
Às 18 horas embarcamos no ferry-boat em direção a Itabuna. Já sabíamos que o show nessa cidade caiu por conta do Carnaval (os produtores não atentaram para o fato), mas lá seriamos bem recebidos pelo amigo Gustavo bypsycho, que nos ofereceu uma estadia fenomenal em sua residência. Antes, uma parada estratégica para abastecimento do veículo, onde Thiago aproveitou para comprar um belíssimo óculos verde numa casa de material de construção, e que mais pra frente renderia uma das melhores histórias da tour. Aproveitamos a travessia da Baía de Todos os Santos para tentar arrumar o carro para a viagem amarrando a lona no bagageiro e socando o restante na mala. O início da viagem foi divertidíssimo, com a moçada falando sem parar no carro. Paramos em um posto de beira de estrada para um lanche noturno, e a sensação de sentir aquele friozinho gostoso depois de tanto sofrer com verão soteropolitano foi indescritível.
Chegamos em Itabuna por volta de meia-noite, em pleno carnaval da cidade. A praça lotada, trios elétricos desfilando e aquele clima carnavalesco no ar. Comemos acarajés de cinqüenta centavos e seguimos para a casa de bypsycho descansar. Infelizmente o cansaço não permitiu que fossemos para a folia momesca onde bypsycho já havia acertado uma entrevista com a afiliada da Rede Globo na região e a cautela rogava para pegarmos a estrada cedo.
29 de janeiro
As seis da manhã já estávamos de pé para seguir viagem. É bonito demais acordar cedo e arrumar o carro ao som de Tede Silva. Havia uma expectativa enorme em relação ao show de Vila Velha. Nossos amigos da Los Canos estiveram na cidade alguns meses antes e nos relataram o quão insano são os roqueiros locais. O trecho da BR-101 no sul da Bahia é, fora de qualquer dúvida o pior trecho de rodovia federal do país. O trecho do Espírito Santo, contudo, é um dos melhores do Brasil. Pena que o Estado é pequeno. Viagem cansativa, longa, mas com outros trechos muito bonitos. Ainda bem que saímos bem cedinho de Itabuna porque chegamos no bar Entre Amigos II - local do show - quando a banda que tocaria antes de nós mandava os primeiros acordes. Só deu tempo de tirar os instrumentos do carro, mudar de roupa, afinar tudo e mandar ver. Foi uma das experiências mais incríveis que já tive a vida. O publico lá é completamente insano, é totalmente inacreditável. Todas as bandas do país deveriam tocar lá. O show chegou a um nível de agitação tão impressionante que eu dei um “mosh” com guitarra e tudo, enquanto Rodrigo, nu, se pendurava de cabeça pra baixo numa pilastra do palco. Depois de nós tocaram ainda Os Pedrero, já com o jogo ganho, fazendo aquele punk rock toscão, mas muito foda. Agitou demais também.
Depois do show, exaustos, seguimos para o Hotel Olympia, pertinho do local do show. Hotel catiguria. Iria rolar um show do Zémaria no dia, mas não tivemos condições físicas de encarar. Saímos eu, Brust e Thiago para um mata-fome perto para encarar um sanduba antes de dormir. De responsa.
30 de janeiro
Acordamos cedo no dia seguinte, fizemos um desjejum fenomenal nas dependências do hotel e seguimos viagem até o Rio de Janeiro. Algumas fotos espetaculares foram tiradas durante o trajeto e posteriormente perdidas pelo nosso baixista e fotografo Thiago “Thilindão”.
Chegamos em Diarréia de Janeiro (como disse cheio de maldade Kurt Cobain) por volta das 19 horas do domingo. Impressionante a beleza da cidade. Fomos direto para a casa da irmã de Dimmy, em Niterói, onde ficamos por quatro dias. Os empreendedores musicais locais não apostaram em shows perto da véspera do carnaval e nos deixaram de molho até o dia dois de Fevereiro. Nesse meio tempo todo tipo de imprevisto aconteceu: descobrimos que o tanque de “Rebeca” estava furado; trocamos também suas molas e um rolamento; consertamos alguns instrumentos e a grana foi acabando aos poucos. Passeios pelo centro de Niterói revelaram algumas casas de instrumentos musicais bem aprumadas.
02 de fevereiro
Dia do show, na famosa Casa da Matriz, onde tocaríamos num baile de carnaval com a Cabaret. Antes do show fomos até uma padaria do lado do evento, tomar umas cervas e comer alguma coisa. Lá conhecemos Natalia, uma menina muito gente fina, e seu namorado Duca, líder da Moobwa, e que nos deu uma força durante o show, além de outros amigos cariocas como Liz (que ficou com nossa máquina fotográfica).
O local do show é bem pequeno e estava bem cheio. Fomos a banda de abertura e o som estava bem legal. Com amplificadores decentes a nossa disposição deu pra fazer uma apresentação bem agitada para um público que na maior parte do tempo só observava. A Cabaret veio em seguida com um rock cheio de referências do glam rock. Uma banda afiada e com um vocalista muito carismático. Pra variar saímos quase de manhã do local. Ver o dia nascer no Rio de Janeiro definitivamente é uma experiência inacreditável. Era o início da parte nons-stop da tour.
03 de fevereiro
No dia seguinte saímos o mais cedo possível em direção a Belo Horizonte. Pra nossa sorte a distância não era tão grande e deu pra fazer uma viagem tranqüila. Chegamos a noite, e nos encontramos com Mocotó, guitarrista da Rock Mountain Fever, que nos recebeu muitíssimo bem em seu apartamento. Depois fomos até “A Obra”, lendária casa de shows da capital mineira. Antes do show passamos numa lanchonete fantástica chamada “Tosco Burger”. Lá eram servidos sanduíches da série “Tosco” que iam do numero I ao VI. Pra se ter uma idéia do quão grande eram esses lanches, se você comesse dois Tosco Burguer VI, mais um refrigerante e um sorvete ganhava 40 reais em dinheiro e outros 40 em crédito na lanchonete. Acho que era isso. Tinha de tudo no sanduíche e ainda era uma delícia.
Na frente da Obra conhecemos Luisa, Isadora, seus amigos e mais algumas outras pessoas legais que foram ver o show. O local estava lotado, mas a nota triste foi que Isadora não pode entrar no show por ser menor de idade. Ficamos todos muito tristes. Dedicamos “Pretty Punk Girl” para ela, e modéstia a parte foi um showzaço, com uma interação foda rolando entre banda e público. Até uma doida subiu no palco em determinado momento do rock, tomando em seguida uma queda histórica. Provavelmente o show em BH foi um dos melhores musical e financeiramente. Vendemos muitos cds e camisetas. Alto astral. Depois do show, fui com Brust direto pra casa de Mocotó, porque o cansaço dava os primeiros sinais. Dormi gostoso nesse dia.
04 de fevereiro
São Paulo, que beleza, adoro essa cidade. Chegamos lá de tardinha, e fomos direto pra casa de Vitor, um amigão meu que nos instalou na casa de um outro amigo, chamado Danilo, que não estava na cidade. Na Funhouse encontrei Eugenio Vieira (que fez umas fotos foda do show) e sua esposa Janaína. Aliás, foi impressionante a legião baiana no local: Leão, Spencer, Joe, Martin, Jan, Boris, Duda, Pitty, Eugenio, Jana, Vitor, Tiana, Tati, e mais uma galera que certamente eu to me esquecendo. O show foi fodaço, gostei muito, e pela primeira vez tive a impressão que nós estávamos nos cascos, tocando perfeitamente. O repertório teve muita coisa antiga e o local estava irritantemente lotado, e deu pra sacar como indie paulista é uma raça muito estranha. Quase ninguém vai pra ver o show, e sim pra ser visto. Mas acho que quem tava lá gostou bastante. Nós saímos 100% satisfeitos pela primeira vez. Quem conhece a região sabe que é local de “trotoir”. Ao fazer o lanche noturno - após o show - um carro estacionado chamou atenção pelo balanço. As “meninas” olhavam e não acreditavam que um casal estivesse transando ali. O cara saiu sorridente e entrou no bar. A menina saiu e veio pedir uma pizza. São Paulo é uma cidade ímpar realmente.
05 de fevereiro
Finalmente podemos acordar um pouquinho mais tarde, já que o show do dia seguinte era em Campinas, distante a menos de 100 km de Sampa. Lá fomos para um churrasco oferecido pelos amigos da Fluid (amigos irmãos a partir de agora). A tarde inteira comendo muita carne (acho que a gente nem lembrava mais o gosto disso, vide a quantidade de coxinhas, mistos e outras besteiras que comíamos pela estrada), enchendo a cara de cerveja e jogando muita conversa fora. No banheiro da casa fomos agraciados por uma foto fantástica de um amigo e fotógrafo dos caras da Fluid. Até o momento a nossa única foto de divulgação. A noite, o show foi no Mondo 77. O local é muito legal, bonito, mas infelizmente tava bem vazio. Era um sábado de carnaval e a cidade estava deserta. Mas mesmo sem um grande público foi um show bem divertido. Segundo os proprietários “melhor que o do Cachorro Grande” até então o melhor show pelo ranking da casa. Depois fomos comer no centro de Campinas, onde experimentei o melhor cachorro-quente da minha vida. Campinas rules!
06 de fevereiro
Pela manhã voltamos à velha rotina de acordar muito cedo, depois de ter dormido menos que o necessário e seguir viagem. Curitiba, lá vamos nós. Pegamos umas estradinhas bem mais ou menos. Inclusive algumas de chão batido. O cheiro de gasolina dentro do carro estava bem forte e foi ficando insuportável. Provavelmente alguma barberagem dos mecânicos niteroienses que colocaram o tanque em Rebeca. Mas não tínhamos tempo pra parar e arrumar. Chegamos a noite bem cansados e fomos direto para o hotel (um muquifo que nem merece ser chamado de pensão, mas de graça, né? beleza, pelo menos tinha chuveiro quente) onde tomamos banho, cochilamos e fomos pro local do show. Tocamos num festival chamado “Psycho Carnival”, onde só rolava bandas de psychobilly e subdivisões, organizado pelo Wallace (Ovos Presley) e pelo Vlad (Os Catalépticos). Lotado de gente. Pra chegarmos ao palco deu uma trabalheira inacreditável. O lugar estava muito quente. Foi um show raivoso, Rodrigo cantou do fundo da alma, com ódio. Foi foda... Tocamos antes dos fabulosos Catalépticos, achando que seríamos massacrados, mas rolou bem demais. Foi engraçado ver aqueles punks e psychobillys enormes, com jubas maiores ainda nos parabenizando pelo show. Um bebum gritava “Vou morrer de aids hoje!”; “tomei uma queda no banheiro”. Instantaneamente eleitos bordões da tour. Depois saímos todos molhados de suor pro lado de fora da casa de show. Temperatura ambiente: aproximadamente 10 graus. Choque térmico fudido. No outro dia todo mundo mal pra caralho, a gripe pegou todo mundo. Foda!
07 a 09 de fevereiro
Seguimos viagem cedo até Porto Alegre. O carro havia virado um ninho de bactérias. Brust muito gripado, e o resto da banda não muito atrás. Comoção geral no carro. Passamos a viagem inteira ligando para Tom, o produtor que estava armando nossos shows por lá. O cara simplesmente sumiu do mapa. Descobrimos que o sujeito estava passando uma temporada no litoral, nos deixando na mão. Dos três shows marcados no Rio Grande do Sul, só rolou um em Porto Alegre. Nessa época também soubemos que o show em Montevidéu (Uruguai) também havia caído. Ah, pra piorar a grana tava indo embora. Numa das paradas para alimentação Thiago acabou esquecendo o lindíssimo óculos que comprou ainda em Salvador.
Chegamos em Porto Alegre e fomos direto para o local do show, uma rotina infeliz. E encontramos o pessoal da Seven2Nine, excelente banda gaúcha que abriria o show. Saí com Brust pra comprar uns remédios pra gripe e comer alguma coisa. Andamos pelo centro um pouco, sentido aquele friozão no ar, e voltamos pra tocar. Porto Alegre também estava deserta. Provavelmente todos foram pra praia com Tom, o produtor calhorda. Guardem este nome. O show foi muito bom, mas o som não era lá grande coisa, e também o público era pequeno - praticamente só o pessoal das outras bandas -, porém agitado. O baiano Jan (Frangote Records) nos prestigiou. Depois seguimos para descansar num consultório médico cedido pelos amigos gaúchos Jamer e Rodrigo. Lá nos foi ensinado como preparar o famosíssimo drink “Iceberg”, que fez sucesso. Dormi numa espécie de bat-caverna muito recomendada para asmáticos como eu.
Dia seguinte seguimos para Guaíba, onde passamos uma temporada dando trabalho a parte gaúcha da família de Brust. Aproveitamos pra arrumar o tanque que exalava cheiro de gasolina no carro, descansar bastante, ir em Lan Houses checar os e-mails, lembrar um pouco da vida de verdade, etc. Pernoitamos na Tia Harlei e zarpamos em direção a Argentina. Cerca de 1500 km nos esperavam. Fizemos a viagem em dois dias. No primeiro, tivemos um pequeno acidente num pedágio que danificou parte da frente de “Rebeca” mas não foi nada demais. Dois faróis e grade quebrados, frente amassada. Dormimos em Rosário do Sul, onde nos deliciamos com o “Pancho” uma iguaria local de muito valor nutritivo. Vulgo: cachorro-quente.
10 de fevereiro
Seguimos viagem em direção a Campana, na Argentina. Por volta do meio dia chegamos em Uruguaiana, último ponto antes de entrarmos no país do Maradona. Uma rápida passeada na cidade, enquanto Brust tentava comprar faróis novos usados pra Rebeca (em vão, uma vez que a grana não dava), eu e Rodrigo descobrimos uma feirinha de camelôs espetacular, que vendia eletro-eletrônicos a preço de banana. Quase saímos de lá com um videogame em mãos e outras bugigangas.
Enfim, atravessamos uma ponte, que mais parecia um portal para outra dimensão e entramos em território argentino. Haviam pequenos hermanitos na divisa que nos encheram a paciência tentando nos vender chocolate e outras besteiras. “Amigo, amigo, um chocolatito amigo??” não paravam de gritar. Tinha um que parecia o Tevez, uma gracinha. O melhor foi quando um deles me perguntou apontando pra Thiago “Frankenstein?”. Não precisa nem dizer que o negão foi sacaneado o resto da viagem inteira, né?
Para entrar no país não é necessário passaporte por causa dos acordos do Mercosul, mas é necessário apresentar documentos e declarações de equipamentos, discos para não sermos acusados de muambeiros no retorno. Brust não estava com a carteira de identidade e, sim, com a carteira de habilitação unificada. O guardinha não queria liberar, mas o ‘presente’ de dois cds foi o bastante. Depois de muita burocracia, seguimos viagem até Campanha, uma cidade satélite de Buenos Ayres, onde faríamos dois shows. No meio do caminho a polícia Argentina nos mostra que não é nada diferente da brasileira. Fomos parados juntamente com um outro carro brasileiro. Os policias tentaram de toda a forma uma maneira de nos levar alguns pesos, e acabaram nos informando que segundo as leis de trânsito locais, era necessário ter dois triângulos no carro. Como só tínhamos um, o filho da puta (desculpem amigos argentinos) nos levou 50 pesos. E mais brindes honkers para os sete patrulheiros. Considerando que o bagual queria extorquir 350 pesos, tabelamos o preço do nosso CD em 43 pesos. Maria Rita perde.
Seguimos viagem e paramos numa loja de conveniência onde compramos outro triângulo. Viajamos mais uns dez quilômetros e fomos novamente parados pela policia Argentina com a mesma conversa mole. O engraçado é que apesar de faróis quebrados e frente amassada apenas o triângulo era questionado. Quando sentimos que seríamos novamente roubados rolou estresse: “Amigo, nosotros tenemos dois de tudo qui ostedes piensar nesse carrito, no tiene razon para nos parar!”. O policial sentiu a fúria brasileña e nos deixou seguir viagem. Ainda tivemos que pagar uma fortuna (não negociável) por um adaptador para podermos abastecer o carro com gás natural (o bico injetor é diferente do brasileiro). Mas nem tudo foi ruim, afinal tudo naquele país é muito barato. O litro da gasolina custava aproximadamente R$ 1,60, o metro cúbico do gás natural R$ 0,50 e a cerveja também tinha um preço bem atrativo - porém com um gosto bem mediano. Apesar das estradas serem bem conservadas os atrasos com a alfândega, policiais corruptos e a caça a um adaptador para o bico injetor do gás fez com que chegássemos na casa de Gugui (um baiano em terras de Gardel), nosso anfitrião, quase duas da madrugada.
11 de fevereiro
Pela manhã uma entrevista numa rádio de Buenos Aires e ao cair da tarde fizemos nosso primeiro show. Ao ar livre, gratuito, promovido pela prefeitura numa praça em Campana. Clima bem família, friozinho gostoso. A banda de abertura, Los Cajos, fez um “rock canção” como eles mesmo definiram, bem bacana, gostei bastante. Tocamos em seguida, e logo no início começou a dar merda: o alimentador dos pedais queimou, mesmo trocando a voltagem pra 220v. Conseguimos uma fonte emprestada e seguimos o rock. Foi um bom show, exceto pelo fato de Rodrigo e Thiago quase terem sido eletrocutados durante umas performances mais exaltadas. O grande momento da noite foram umas crianças entre cinco e oito anos que nos procuraram depois do show encantadas conosco. Pagou toda a viagem.
12 de fevereiro
Dia seguinte, novo show, dessa vez no “Clube de Campo de Campana”. Havia uma certa tensão no ar se haveria ou não o rock, porque os shows estavam proibidos depois do acidente que matou centenas de pessoas numa boate em Buenos Ayres no início do ano. Saímos cedo para passear um pouco pela cidade, procurar uma lavanderia e tomar umas cervas. Fomos em seguida para o local do show, onde nos ofereceram um churrasco. Sabe aquela lenda de que o churrasco argentino é o melhor? Não sei se é verdade, porque o de Campana é péssimo. Começou bem com um pastelzinho catiguria, mas depois... Nos ofereceram uma tal de “tripa gorda” que era a coisa mais nojenta do mundo. Depois do ‘almoço’ jogamos um pouco de sinuca (as caçapas argentinas são o dobro das brasileiras) com nossos hermanos Pablo e Emiliano, e passamos o som.
Durante a passagem de som um grande susto. O guitarrista de uma das bandas da noite, a Malditos Delenua, teve uma overdose ou um mal estar ou um mau súbito na frente do local do show. Desmaiou espumando pela boca. Um susto terrível. O cara lá deitado no chão. Foi foda. Em menos de cinco minutos a ambulância chegou ao mesmo tempo em que um enfermeiro de uma clínica próxima o socorria e o atenderam ali mesmo no local. Final feliz de uma quase tragédia.
O concerto começou com a All the Hats, tocando uma mistura de rock e ska muito legal. Em seguida subimos ao palco pra mandar ver. Tocamos a insanidade nesse dia, alto, para um publico agitado, que dançava feito loucos. Saímos exausto, insanidade total. Depois vieram os Malditos Delenua que fizeram uma apresentação totalmente foda. Todo mundo cantando todas as músicas. Pareciam hinos de toda uma geração. Lindo. Rolaram varias porradas durante o show, a mais impressionante foi um cara chamando uma menina pra porrada. Voadora foi o golpe mais light que eu vi durante os confrontos. Fomos descansar porque a parte cansativa da tour estaria para começar. Já sabíamos, mas não queríamos acreditar.
13 de fevereiro
Saímos de madrugada, bem cedinho de volta a Guaíba (RS), Brasil. Foi uma viagem extremamente desgastante, fizemos aproximadamente 1.500 km em cerca de 22 horas, non stop. Gastamos um tempo enorme na alfândega na volta para o Brasil, disputando espaço na fila com grupos de turistas. Passamos a viagem agradecendo o sumiço do produtor Tom, uma vez que havia um show marcado em Santa Maria e, obviamente, não daria para chegar a tempo. Chegamos, então, ao nosso destino final por volta das três da manhã. Vocês não sabem o quão estressante é viajar de madrugada. E com chuva. E com fome. Estávamos todos exaustos, absurdamente cansados. Nunca senti tanto prazer em deitar numa cama. Santa Tia Harlei.
14 de fevereiro
Seguimos - atrasados - as 4 da tarde em direção a Curitiba. O atraso foi decorrente da troca de outro rolamento de Rebeca e dos faróis comprados com uma grana emprestada com a prima de Brust. Sem grana e agora, endividados. Uma boa notícia foi achar os óculos cintilantes de Thiago dado como perdido no mesmo posto uma semana antes. O povo do Paraná é realmente honesto. Quem iria querer aquela coisa? Pensamos. Mais tensão no ar, viajando a noite e de madrugada, dessa vez com pressa de chegar ao show. Chegamos em cima da hora. Uma e meia da manhã, num bar meio da moda chamado “Era só o que faltava” onde tocaríamos com a Black Maria. Show bacana, cheio de gente bonita. O som da casa é excelente, com uma infra-estrutura massa. Não era exatamente o nosso público, mas quem viu gostou bastante. O melhor foi que fomos em seguida para um hotel ecológico fenomenal, onde podemos descansar a vontade.
15 de fevereiro
O pneu do carro amanheceu no chão e tiramos o dia pra consertar algumas coisas em “Rebeca”, passear pela cidade e tentar acessar a Internet. No final da tarde fizemos um show no Lino’s Bar, o primeiro bar rock de Curitiba, de propriedade do figuraça Lino. É ponto de encontro, happy hour e fim de noite do rock. Fizemos um show com o White Stripes cover. Esquema meio tosco, mas foi um show cheio de energia. Thiago tava bem mal nesse dia, acho que foi ressaca. Público agitando, performance caótica. Depois do show Rodrigo e Dimmy foram ver um show do Relespública, enquanto eu, Brust e Thiago fomos dormir na casa de Léo Barzi, lendário ex-baxista da Mercy Killing. Não precisa nem dizer que eu incomodei a casa toda roncando sem parar.
16 de fevereiro
Seguimos cedo para Florianópolis. Viagem tranqüila, visual bonito. Paramos numa pizzaria astral montada dentro de um avião antigo. Coisa de turista. A cidade é massa, chegamos de noite, só deu tempo de chegar, tomar um banho, e seguir até o local do show. A cidade é linda, fiquei bastante impressionado.
Tocamos num bar muito bacana chamado “Drakkar”, numa parte linda da cidade. Lotado, afinal havíamos saído em matérias nos dois jornais locais. A abertura ficou por conta dos Monstros da Garagem, tocando um rockabilly da melhor categoria. O nosso show foi insano. O lugar estava repleto de beldades, todo mundo agitando pra caramba, som bonito, tudo lindo. Fizemos um rock de altíssima qualidade, me lembro de uns caras sentados numa mesa que não acreditavam na nossa energia. Showzaço. Vários bis. Depois da festa paramos para um lanche, conhecemos um pouco da região e tiramos um cochilo mínimo pra seguir viagem.
17 de fevereiro
Viagem longa em direção a Rio Claro. Brust optou por umas estradas secundárias de uma beleza fenomenal porque a distância seria menor. Só que não contava com as chuvas constantes de dias atrás que derrubou várias barreiras e interditou alguns trechos. Nenhuma placa avisou-nos. Foda. Tivemos que voltar quase 300 quilômetros, o que atrasou muito a viagem. Chegamos ao local do show, mais do que em cima da hora. Fizemos um bom show, apesar de tocar pra quase ninguém. Era véspera do casamento do Pedrinho, o produtor do show. Foi bacana. Além de chegar atrasados ainda incomodamos bastante dormindo na casa do noivo. Esses Honkers são uns malas!
18 de fevereiro
De volta a São Paulo. Conseguimos chegar cedo dessa vez, e nos instalamos na casa do amigo Bruno Lima. Deu pra descansar, reunir os amigos, e ir em seguida pra Outs. O show contou com toda a baianada novamente, mais Jane, namorada de Brust, que viajou de Salvador pra nos encontrar lá. O Boom Boom Chicks, da nossa chefa Debby Cassano (Ordinary Recordings) abriu a festa com um blues-punk muito bacana. Showzão.
Subimos no palco com a casa já lotada e fizemos um grande show, cheio de energia. Destaque para a participação de Joe em “Between the devil and the deep blue sea”. No final nossos amigos baianos Vitor e Danilo invadiram o palco no melhor estilo Tico e Teco e pularam em cima de Rodrigo que acabou torcendo o pé. Loucura perde mermão. Coisa linda.
19 de fevereiro
Dois shows num único dia. Fomos primeiro pra Campinas, onde tocamos no Bar do Alex, com o Del-o-Max e os amigos da Fluid. Um sinuquinha antes do show pra descontrair, umas cervas e pronto, estávamos prontos pro rock de novo. Esquema tosco, mas um bom show, com muita energia e a galera dançando sem parar. Me diverti muito. Cuspidas de cerveja e água encharcaram Rodrigo e alguns desavisados.
Seguimos pra Sampa onde tocamos na Juke Joint com Lambrusco Kids, e mais umas bandas brutais. O público era bem estranho, formado por um monte de punk veio, bem estereotipados mesmo. Acho que não gostaram muito do nosso som não, mas convenhamos que foi um show bem fraquinho, o cansaço foi foda, não tínhamos mais forças pra tocar. Quando acabou tudo, só tinha gás pra ir pra casa, e olhe lá.
20, 21 e 22 de fevereiro
Três dias de folga, já que o show que aconteceria numa boate chamada The Edge, acabou não rolando. Aproveitamos pra rodar a cidade, visitar amigos, fazer algumas compras, passar na Teodoro Sampaio, namorar instrumentos, tentar arrumar outros, descansar, dormir o máximo possível. Fomos num churrasco catiguria oferecido por Joe, Pitty e seus asseclas lá no estúdio onde eles ensaiam. Coisa fina. Demos uma entrevista na Rádio Brasil 2000 no programa do Kid Vinil e ainda jogamos uma partidinha fenomenal de sinuca com a baianada paulistana (Leão, Paris e Vitor da Drearylands + Eugenio Vieria). São Paulo é foda.
23 de fevereiro
Hora de seguir viagem. Dessa vez fomos a São Carlos, onde tocamos com a Eletrofan, banda bem indie, bacaninha. Fizemos uma apresentação massa, num local legal, e com um som decente. Fora uns probleminhas com a guitarra foi tudo ok. A essa altura do campeonato os shows ficam meio automáticos, afinal esse já era o nosso 17º show em 24 dias. Mas quem tá no rock é pra se fuder, já diria irmã Dulce. Pegamos estrada ainda depois do show para dormir em Araraquara. Um desencontro na porta da casa onde dormiríamos nos levou pra bem longe e perdemos horas preciosas de sono. Só conseguimos contactar o pessoal quando estava amanhecendo. Foda.
24 de fevereiro
As estradas paulistas em sua maioria eram privatizadas e pagávamos pedágio com gosto. Com mais um pneu furado recebemos auxílio na Autoban de um funcionário atencioso e prestativo. Na ida para Campo Grande começamos a perceber pequenas baratas no carro. E em uma das paradas para abastecimento Brust encontrou um ninho de baratas debaixo do banco do motorista. Sinistro. Campo Grande é absurdamente quente, chega a ser inacreditável. Chegamos na casa do nosso amigo George Belasco, onde tomamos um banho e fomos jantar num rodízio de pizza. Comemos como animais, o que acabou por nos trazer um grande problema: Misturar comida em demasia + calor insuportável + show agitado = mal estar e dor de barriga. O show foi ótimo, mas no final não havia mais nenhuma condição de continuarmos, apesar do público insistentemente pedir para que tocássemos, e você sabe, se o público pede tem de tocar. Desespero pra mim é isso. Acabamos o show exaustos. A maioria de nós a procura de um banheiro. Desesperadamente, aliás. Pernoitamos na ‘sauna’ de George mas o cansaço ajudou a relevar o clima de Campo Grande.
25 de fevereiro
Seguimos cedo pra Cuiabá, onde tocamos no pátio da Universidade Federal local. O calor tava um pouco menos infernal dessa vez, mas ainda assim, insuportável. Financeiramente falando essa foi a parte crítica da tour, pois além da grana curta, não havia postos com GNV (Gás Natural Veicular) para abastecer o carro, e a gasolina custava em media R$2,99. Um absurdo! O gás natural é encontrado com facilidade nas capitais. No interior é mais difícil, mas nas regiões Centro-Oeste e Norte só é encontrado em Campo Grande. Tocamos com mais uma cacetada de bandas, fizemos um show bacana para um público empolgado e receptivo. Foda é que dormimos apenas uma hora, e teríamos no dia seguinte uma das viagens mais longas e cansativas da tour, até Goiânia. Todo mundo exausto no carro para mais um dia de aventura. Se bem que o carro era bem melhor que o local que nos arrumaram pra dormir. Ainda bem que tivemos que sair cedo. Além de tudo a produção não pagou o cachê e a gasolina ficou bem mais cara. Vou pensar duas vezes antes de voltar. Aliás, várias vezes.
26 de fevereiro a 28 de fevereiro
Fomos para Goiânia, onde tocaríamos numa mostra de cinema no Teatro Martin Cererê (mesmo lugar onde acontecem os festivais Bananada e Goiânia Noise. Viagem cansativa. Chegamos bem tarde, achamos até que não conseguiríamos chegar a tempo, mas como sempre chegamos na hora do show. Uma rotina desgastante. A estrutura do lugar é fenomenal, com um camarim gigante, banheiro limpo, e um som ótimo. Estávamos todos muito empolgados e querendo fazer um grande show. O começo foi matador, com uma seqüência de músicas mais agitadas, mas o cansaço dos poucos dias dormidos acabaram pesando no final. Mesmo assim foi um show muitíssimo legal.
Saímos satisfeitos para o hotel - aliás, muito bem recebidos por Fabrício Nobre e Léo Bigode, profissionalismo ao extremo - onde descansamos tudo o que podíamos e pegamos aquele café da manhã campeão antes de seguir mais de mil quilômetros de viagem até Vitória da Conquista onde tocaríamos com os Astronautas. Yeah! Grande produção de Gilmar, o mobilizador do rock em Conquista. Era o início da etapa nordestina da tour. Ainda em Goiás tivemos um pequeno problema na estrada, onde furamos dois pneus de uma só vez. A lenda diz que ao ouvirmos o cd do Cascadura esses pneus furavam. Apenas uma alegoria porque já haviam furado dois antes de Joe e Martim nos presentear com a bolacha quando da nossa passagem por Sampa. Um dos melhores discos do ano. Foi trilha sonora da tour com certeza. Assim, o primeiro show da tour que não conseguimos cumprir foi o de Conquista. Mil desculpas. Contudo, a sorte estava conosco e a menos de um quilometro havia uma pousada, Posto Gigante da Serra com preço mais que simpático, com tv a cabo, água quente, ar condicionado. Força dos pneus feita, comemos um buffet gostoso, aproveitamos para ver a entrega do Oscar e descansamos bastante. Entramos na Bahia, mas não voltaríamos ainda pra casa, pois no dia seguinte haveria show em Teresina. Tínhamos, então, tempo de sobra para o próximo compromisso, mas a estrada ainda revelaria surpresas: a primeira no município de Luis Eduardo Magalhães, uma das melhores estradas do planeta. Excelente para o escoamento da soja plantada na região; a segunda (e triste) é que as outras estradas baianas são disparadas as piores do país. Pousamos na cidade de Formosa do Rio Preto (BA) perto da divisa com o Piauí, comemos uma pizza legal e no dia seguinte fomos para a capital deste estado.
1 de março
O Piauí é um estado quente, MUITO QUENTE. O calor algumas vezes beira o insuportável. A divisa do estado é separada por uma barreira no posto da Polícia Rodoviária Federal (mais pela quantidade de vacas e cabritos que pastam do que para controle). Fomos abordados por um patrulheiro e logo depois por um fiscal que nos ofereceu cachaça e ensaiou pedir propina, mas desistiu e nos mandou seguir viagem. Estrada surpreendentemente boa até certo trecho, depois a buraqueira tomou conta. Chegamos em Teresina, tendo a certeza que não haveria ninguém no nosso show. Afinal, tocar numa terça-feira é foda em qualquer lugar do Brasil. Pra nossa surpresa encontramos uma casa cheia. Lado2Éstereo e Káfila fizeram as honras da casa. Tocamos por último, num som ruim, mas foi fenomenal perceber o interesse das pessoas pela banda, agitando em todas as músicas. Final do show, todo mundo exausto, fomos descansar e para a nossa surpresa a temperatura marcava 31 graus a 1h30min da manhã. Impressionante. A hospitalidade do nordestino é impressionante. Fábio – o organizador do show – e sua esposa Fernanda nos cederam sua cama de casal para mim e para Brust. Pombinhos. Outra boa notícia: já poderíamos abastecer com gás natural. Ufa!
2 de março
O destino agora era Fortaleza. Chegamos lá relativamente cedo e podemos contemplar a excelente infra-estrutura do Hey Ho, casa de show que tocaríamos. Um banheiro excelente onde todos tomamos banho. E camarim que deu pra dar uma relaxada. A banda de abertura fazia seu primeiro show, e assim como nós, tocou para os familiares e quase mais ninguém. Mesmo assim fizemos o mesmo rock de sempre. Valeu pelo som fenomenal do lugar. Alguém disse que foi “o melhor show que Fortaleza não viu”. Bebeco, proprietário do estabelecimento rock, hospedou-nos em sua casa depois de um sanduba fantástico.
3 de março
Pela manhã visitamos os tios de Brust que se indignaram porque não nos hospedamos lá. Pessoal simpatissíssimo. Seguimos até Natal e fomos muitíssimos bem recebidos pelo produtor Glauco, com direito a pousada ecológica e rango fenomenal (o melhor da tour). Tocamos com excelentes bandas como Jane Fonda, Bugs e Automatics. Show divertidíssimo. Casa excelente. Público morno.
4 de março
Inicialemente faríamos dois shows no mesmo dia (João Pessoa e Recife), mas infelizmente o segundo acabou não acontecendo. Fomos recebidos na capital paraibana por Eddy, baixista/guitarrista de várias bandas locais (Chico Correa, Zefirina Bomba, Flávio Cavalcanti, Musa Junkie, Zackarias Nepomuceteno, Star 61, ) que nos ofereceu uma espetacular Feijoada. Acho que essa altura a gente nem lembrava mais o que era isso. Depois de uma rápida passeada pela cidade, duas entrevistas e umas cervejas já estávamos preparados para o rock. Tocamos com os amigos-irmão pernambucanos da Rádio de Outono e os espetaculares Musa Junkie (melhor banda que tocou conosco na tour, na minha opinião). Um dos melhores - se não o melhor - show da tour. A empolgação no local beirava a insanidade, com destaque para Jurubeba, o mala que ficou enchendo o saco de todo mundo o tempo inteiro. As pessoas não queriam nos deixar parar de tocar, foi inacreditável. Saímos de lá mais do que satisfeitos. E incomodamos mais uma família com nossos roncos e trejeitos baianos.
5 de março
Partimos para Aracaju de manhãzinha. Chegamos no local do show em cima da hora para aquele que seria o último show fora de casa da tour. Todo o cansaço desapareceu quando vimos uma horda de moleques com camisas da banda no show, que sabiam cantar as músicas, e empolgadíssimos porque estávamos de volta a cidade (desde o Punka). Pena que o som muito ruim não ajudou em nada a festa. Tocamos com energia, mas a péssima sonorização acabou com que fizéssemos um show apenas razoável, e olhe lá. Rodrigo quase morre eletrocutado pela segunda vez na tour. Perigo! Depois do show fomos descansar, já ansiosos com a volta pra casa.
6 de março
Último dia, último show. Chegamos por volta das 17 horas em Salvador. Só tive tempo de ir pra casa, dar um beijo e um abraço nos familiares, tomar um banho, comer alguma coisa, e já segui pro Calypso. Show bacana, alto e cheio de energia. Revimos os amigos, contamos as histórias da tour e no final aquela sensação de dever cumprido. Depois de rodarmos 17 mil quilômetros em 38 dias, só queria voltar pra casa. Mas no próximo, com certeza tem mais.
Por Bruno Carvalho, jornalista e guitarrista da banda ‘The Honkers’
28 de janeiro
Enfim é chegado o grande dia. A expectativa tomando conta, afinal seriam 38 dias de rock non-stop por todos os buracos do país, mais Argentina e Uruguai. No caminho até o ponto zero da viagem, a casa do guitarrista, motorista e faz-tudo Felipe Brust, vou recebendo os conselhos da família, sobre os perigos da estrada, e a importância de se alimentar bem durante toda a aventura. No local de partida encontro Dimmy Drummer, nosso batera, e Brust arrumando “Rebeca” (nosso automóvel que, aliás, havia acabado de sair da revisão) para o início da viagem. Saímos do bairro da Pituba em direção a Cidade Baixa de Salvador, onde encontraríamos Rodrigo Sputter (vocal) e Thiago (baixo) e seguiríamos viagem em direção à cidade de Itabuna.
Às 18 horas embarcamos no ferry-boat em direção a Itabuna. Já sabíamos que o show nessa cidade caiu por conta do Carnaval (os produtores não atentaram para o fato), mas lá seriamos bem recebidos pelo amigo Gustavo bypsycho, que nos ofereceu uma estadia fenomenal em sua residência. Antes, uma parada estratégica para abastecimento do veículo, onde Thiago aproveitou para comprar um belíssimo óculos verde numa casa de material de construção, e que mais pra frente renderia uma das melhores histórias da tour. Aproveitamos a travessia da Baía de Todos os Santos para tentar arrumar o carro para a viagem amarrando a lona no bagageiro e socando o restante na mala. O início da viagem foi divertidíssimo, com a moçada falando sem parar no carro. Paramos em um posto de beira de estrada para um lanche noturno, e a sensação de sentir aquele friozinho gostoso depois de tanto sofrer com verão soteropolitano foi indescritível.
Chegamos em Itabuna por volta de meia-noite, em pleno carnaval da cidade. A praça lotada, trios elétricos desfilando e aquele clima carnavalesco no ar. Comemos acarajés de cinqüenta centavos e seguimos para a casa de bypsycho descansar. Infelizmente o cansaço não permitiu que fossemos para a folia momesca onde bypsycho já havia acertado uma entrevista com a afiliada da Rede Globo na região e a cautela rogava para pegarmos a estrada cedo.
29 de janeiro
As seis da manhã já estávamos de pé para seguir viagem. É bonito demais acordar cedo e arrumar o carro ao som de Tede Silva. Havia uma expectativa enorme em relação ao show de Vila Velha. Nossos amigos da Los Canos estiveram na cidade alguns meses antes e nos relataram o quão insano são os roqueiros locais. O trecho da BR-101 no sul da Bahia é, fora de qualquer dúvida o pior trecho de rodovia federal do país. O trecho do Espírito Santo, contudo, é um dos melhores do Brasil. Pena que o Estado é pequeno. Viagem cansativa, longa, mas com outros trechos muito bonitos. Ainda bem que saímos bem cedinho de Itabuna porque chegamos no bar Entre Amigos II - local do show - quando a banda que tocaria antes de nós mandava os primeiros acordes. Só deu tempo de tirar os instrumentos do carro, mudar de roupa, afinar tudo e mandar ver. Foi uma das experiências mais incríveis que já tive a vida. O publico lá é completamente insano, é totalmente inacreditável. Todas as bandas do país deveriam tocar lá. O show chegou a um nível de agitação tão impressionante que eu dei um “mosh” com guitarra e tudo, enquanto Rodrigo, nu, se pendurava de cabeça pra baixo numa pilastra do palco. Depois de nós tocaram ainda Os Pedrero, já com o jogo ganho, fazendo aquele punk rock toscão, mas muito foda. Agitou demais também.
Depois do show, exaustos, seguimos para o Hotel Olympia, pertinho do local do show. Hotel catiguria. Iria rolar um show do Zémaria no dia, mas não tivemos condições físicas de encarar. Saímos eu, Brust e Thiago para um mata-fome perto para encarar um sanduba antes de dormir. De responsa.
30 de janeiro
Acordamos cedo no dia seguinte, fizemos um desjejum fenomenal nas dependências do hotel e seguimos viagem até o Rio de Janeiro. Algumas fotos espetaculares foram tiradas durante o trajeto e posteriormente perdidas pelo nosso baixista e fotografo Thiago “Thilindão”.
Chegamos em Diarréia de Janeiro (como disse cheio de maldade Kurt Cobain) por volta das 19 horas do domingo. Impressionante a beleza da cidade. Fomos direto para a casa da irmã de Dimmy, em Niterói, onde ficamos por quatro dias. Os empreendedores musicais locais não apostaram em shows perto da véspera do carnaval e nos deixaram de molho até o dia dois de Fevereiro. Nesse meio tempo todo tipo de imprevisto aconteceu: descobrimos que o tanque de “Rebeca” estava furado; trocamos também suas molas e um rolamento; consertamos alguns instrumentos e a grana foi acabando aos poucos. Passeios pelo centro de Niterói revelaram algumas casas de instrumentos musicais bem aprumadas.
02 de fevereiro
Dia do show, na famosa Casa da Matriz, onde tocaríamos num baile de carnaval com a Cabaret. Antes do show fomos até uma padaria do lado do evento, tomar umas cervas e comer alguma coisa. Lá conhecemos Natalia, uma menina muito gente fina, e seu namorado Duca, líder da Moobwa, e que nos deu uma força durante o show, além de outros amigos cariocas como Liz (que ficou com nossa máquina fotográfica).
O local do show é bem pequeno e estava bem cheio. Fomos a banda de abertura e o som estava bem legal. Com amplificadores decentes a nossa disposição deu pra fazer uma apresentação bem agitada para um público que na maior parte do tempo só observava. A Cabaret veio em seguida com um rock cheio de referências do glam rock. Uma banda afiada e com um vocalista muito carismático. Pra variar saímos quase de manhã do local. Ver o dia nascer no Rio de Janeiro definitivamente é uma experiência inacreditável. Era o início da parte nons-stop da tour.
03 de fevereiro
No dia seguinte saímos o mais cedo possível em direção a Belo Horizonte. Pra nossa sorte a distância não era tão grande e deu pra fazer uma viagem tranqüila. Chegamos a noite, e nos encontramos com Mocotó, guitarrista da Rock Mountain Fever, que nos recebeu muitíssimo bem em seu apartamento. Depois fomos até “A Obra”, lendária casa de shows da capital mineira. Antes do show passamos numa lanchonete fantástica chamada “Tosco Burger”. Lá eram servidos sanduíches da série “Tosco” que iam do numero I ao VI. Pra se ter uma idéia do quão grande eram esses lanches, se você comesse dois Tosco Burguer VI, mais um refrigerante e um sorvete ganhava 40 reais em dinheiro e outros 40 em crédito na lanchonete. Acho que era isso. Tinha de tudo no sanduíche e ainda era uma delícia.
Na frente da Obra conhecemos Luisa, Isadora, seus amigos e mais algumas outras pessoas legais que foram ver o show. O local estava lotado, mas a nota triste foi que Isadora não pode entrar no show por ser menor de idade. Ficamos todos muito tristes. Dedicamos “Pretty Punk Girl” para ela, e modéstia a parte foi um showzaço, com uma interação foda rolando entre banda e público. Até uma doida subiu no palco em determinado momento do rock, tomando em seguida uma queda histórica. Provavelmente o show em BH foi um dos melhores musical e financeiramente. Vendemos muitos cds e camisetas. Alto astral. Depois do show, fui com Brust direto pra casa de Mocotó, porque o cansaço dava os primeiros sinais. Dormi gostoso nesse dia.
04 de fevereiro
São Paulo, que beleza, adoro essa cidade. Chegamos lá de tardinha, e fomos direto pra casa de Vitor, um amigão meu que nos instalou na casa de um outro amigo, chamado Danilo, que não estava na cidade. Na Funhouse encontrei Eugenio Vieira (que fez umas fotos foda do show) e sua esposa Janaína. Aliás, foi impressionante a legião baiana no local: Leão, Spencer, Joe, Martin, Jan, Boris, Duda, Pitty, Eugenio, Jana, Vitor, Tiana, Tati, e mais uma galera que certamente eu to me esquecendo. O show foi fodaço, gostei muito, e pela primeira vez tive a impressão que nós estávamos nos cascos, tocando perfeitamente. O repertório teve muita coisa antiga e o local estava irritantemente lotado, e deu pra sacar como indie paulista é uma raça muito estranha. Quase ninguém vai pra ver o show, e sim pra ser visto. Mas acho que quem tava lá gostou bastante. Nós saímos 100% satisfeitos pela primeira vez. Quem conhece a região sabe que é local de “trotoir”. Ao fazer o lanche noturno - após o show - um carro estacionado chamou atenção pelo balanço. As “meninas” olhavam e não acreditavam que um casal estivesse transando ali. O cara saiu sorridente e entrou no bar. A menina saiu e veio pedir uma pizza. São Paulo é uma cidade ímpar realmente.
05 de fevereiro
Finalmente podemos acordar um pouquinho mais tarde, já que o show do dia seguinte era em Campinas, distante a menos de 100 km de Sampa. Lá fomos para um churrasco oferecido pelos amigos da Fluid (amigos irmãos a partir de agora). A tarde inteira comendo muita carne (acho que a gente nem lembrava mais o gosto disso, vide a quantidade de coxinhas, mistos e outras besteiras que comíamos pela estrada), enchendo a cara de cerveja e jogando muita conversa fora. No banheiro da casa fomos agraciados por uma foto fantástica de um amigo e fotógrafo dos caras da Fluid. Até o momento a nossa única foto de divulgação. A noite, o show foi no Mondo 77. O local é muito legal, bonito, mas infelizmente tava bem vazio. Era um sábado de carnaval e a cidade estava deserta. Mas mesmo sem um grande público foi um show bem divertido. Segundo os proprietários “melhor que o do Cachorro Grande” até então o melhor show pelo ranking da casa. Depois fomos comer no centro de Campinas, onde experimentei o melhor cachorro-quente da minha vida. Campinas rules!
06 de fevereiro
Pela manhã voltamos à velha rotina de acordar muito cedo, depois de ter dormido menos que o necessário e seguir viagem. Curitiba, lá vamos nós. Pegamos umas estradinhas bem mais ou menos. Inclusive algumas de chão batido. O cheiro de gasolina dentro do carro estava bem forte e foi ficando insuportável. Provavelmente alguma barberagem dos mecânicos niteroienses que colocaram o tanque em Rebeca. Mas não tínhamos tempo pra parar e arrumar. Chegamos a noite bem cansados e fomos direto para o hotel (um muquifo que nem merece ser chamado de pensão, mas de graça, né? beleza, pelo menos tinha chuveiro quente) onde tomamos banho, cochilamos e fomos pro local do show. Tocamos num festival chamado “Psycho Carnival”, onde só rolava bandas de psychobilly e subdivisões, organizado pelo Wallace (Ovos Presley) e pelo Vlad (Os Catalépticos). Lotado de gente. Pra chegarmos ao palco deu uma trabalheira inacreditável. O lugar estava muito quente. Foi um show raivoso, Rodrigo cantou do fundo da alma, com ódio. Foi foda... Tocamos antes dos fabulosos Catalépticos, achando que seríamos massacrados, mas rolou bem demais. Foi engraçado ver aqueles punks e psychobillys enormes, com jubas maiores ainda nos parabenizando pelo show. Um bebum gritava “Vou morrer de aids hoje!”; “tomei uma queda no banheiro”. Instantaneamente eleitos bordões da tour. Depois saímos todos molhados de suor pro lado de fora da casa de show. Temperatura ambiente: aproximadamente 10 graus. Choque térmico fudido. No outro dia todo mundo mal pra caralho, a gripe pegou todo mundo. Foda!
07 a 09 de fevereiro
Seguimos viagem cedo até Porto Alegre. O carro havia virado um ninho de bactérias. Brust muito gripado, e o resto da banda não muito atrás. Comoção geral no carro. Passamos a viagem inteira ligando para Tom, o produtor que estava armando nossos shows por lá. O cara simplesmente sumiu do mapa. Descobrimos que o sujeito estava passando uma temporada no litoral, nos deixando na mão. Dos três shows marcados no Rio Grande do Sul, só rolou um em Porto Alegre. Nessa época também soubemos que o show em Montevidéu (Uruguai) também havia caído. Ah, pra piorar a grana tava indo embora. Numa das paradas para alimentação Thiago acabou esquecendo o lindíssimo óculos que comprou ainda em Salvador.
Chegamos em Porto Alegre e fomos direto para o local do show, uma rotina infeliz. E encontramos o pessoal da Seven2Nine, excelente banda gaúcha que abriria o show. Saí com Brust pra comprar uns remédios pra gripe e comer alguma coisa. Andamos pelo centro um pouco, sentido aquele friozão no ar, e voltamos pra tocar. Porto Alegre também estava deserta. Provavelmente todos foram pra praia com Tom, o produtor calhorda. Guardem este nome. O show foi muito bom, mas o som não era lá grande coisa, e também o público era pequeno - praticamente só o pessoal das outras bandas -, porém agitado. O baiano Jan (Frangote Records) nos prestigiou. Depois seguimos para descansar num consultório médico cedido pelos amigos gaúchos Jamer e Rodrigo. Lá nos foi ensinado como preparar o famosíssimo drink “Iceberg”, que fez sucesso. Dormi numa espécie de bat-caverna muito recomendada para asmáticos como eu.
Dia seguinte seguimos para Guaíba, onde passamos uma temporada dando trabalho a parte gaúcha da família de Brust. Aproveitamos pra arrumar o tanque que exalava cheiro de gasolina no carro, descansar bastante, ir em Lan Houses checar os e-mails, lembrar um pouco da vida de verdade, etc. Pernoitamos na Tia Harlei e zarpamos em direção a Argentina. Cerca de 1500 km nos esperavam. Fizemos a viagem em dois dias. No primeiro, tivemos um pequeno acidente num pedágio que danificou parte da frente de “Rebeca” mas não foi nada demais. Dois faróis e grade quebrados, frente amassada. Dormimos em Rosário do Sul, onde nos deliciamos com o “Pancho” uma iguaria local de muito valor nutritivo. Vulgo: cachorro-quente.
10 de fevereiro
Seguimos viagem em direção a Campana, na Argentina. Por volta do meio dia chegamos em Uruguaiana, último ponto antes de entrarmos no país do Maradona. Uma rápida passeada na cidade, enquanto Brust tentava comprar faróis novos usados pra Rebeca (em vão, uma vez que a grana não dava), eu e Rodrigo descobrimos uma feirinha de camelôs espetacular, que vendia eletro-eletrônicos a preço de banana. Quase saímos de lá com um videogame em mãos e outras bugigangas.
Enfim, atravessamos uma ponte, que mais parecia um portal para outra dimensão e entramos em território argentino. Haviam pequenos hermanitos na divisa que nos encheram a paciência tentando nos vender chocolate e outras besteiras. “Amigo, amigo, um chocolatito amigo??” não paravam de gritar. Tinha um que parecia o Tevez, uma gracinha. O melhor foi quando um deles me perguntou apontando pra Thiago “Frankenstein?”. Não precisa nem dizer que o negão foi sacaneado o resto da viagem inteira, né?
Para entrar no país não é necessário passaporte por causa dos acordos do Mercosul, mas é necessário apresentar documentos e declarações de equipamentos, discos para não sermos acusados de muambeiros no retorno. Brust não estava com a carteira de identidade e, sim, com a carteira de habilitação unificada. O guardinha não queria liberar, mas o ‘presente’ de dois cds foi o bastante. Depois de muita burocracia, seguimos viagem até Campanha, uma cidade satélite de Buenos Ayres, onde faríamos dois shows. No meio do caminho a polícia Argentina nos mostra que não é nada diferente da brasileira. Fomos parados juntamente com um outro carro brasileiro. Os policias tentaram de toda a forma uma maneira de nos levar alguns pesos, e acabaram nos informando que segundo as leis de trânsito locais, era necessário ter dois triângulos no carro. Como só tínhamos um, o filho da puta (desculpem amigos argentinos) nos levou 50 pesos. E mais brindes honkers para os sete patrulheiros. Considerando que o bagual queria extorquir 350 pesos, tabelamos o preço do nosso CD em 43 pesos. Maria Rita perde.
Seguimos viagem e paramos numa loja de conveniência onde compramos outro triângulo. Viajamos mais uns dez quilômetros e fomos novamente parados pela policia Argentina com a mesma conversa mole. O engraçado é que apesar de faróis quebrados e frente amassada apenas o triângulo era questionado. Quando sentimos que seríamos novamente roubados rolou estresse: “Amigo, nosotros tenemos dois de tudo qui ostedes piensar nesse carrito, no tiene razon para nos parar!”. O policial sentiu a fúria brasileña e nos deixou seguir viagem. Ainda tivemos que pagar uma fortuna (não negociável) por um adaptador para podermos abastecer o carro com gás natural (o bico injetor é diferente do brasileiro). Mas nem tudo foi ruim, afinal tudo naquele país é muito barato. O litro da gasolina custava aproximadamente R$ 1,60, o metro cúbico do gás natural R$ 0,50 e a cerveja também tinha um preço bem atrativo - porém com um gosto bem mediano. Apesar das estradas serem bem conservadas os atrasos com a alfândega, policiais corruptos e a caça a um adaptador para o bico injetor do gás fez com que chegássemos na casa de Gugui (um baiano em terras de Gardel), nosso anfitrião, quase duas da madrugada.
11 de fevereiro
Pela manhã uma entrevista numa rádio de Buenos Aires e ao cair da tarde fizemos nosso primeiro show. Ao ar livre, gratuito, promovido pela prefeitura numa praça em Campana. Clima bem família, friozinho gostoso. A banda de abertura, Los Cajos, fez um “rock canção” como eles mesmo definiram, bem bacana, gostei bastante. Tocamos em seguida, e logo no início começou a dar merda: o alimentador dos pedais queimou, mesmo trocando a voltagem pra 220v. Conseguimos uma fonte emprestada e seguimos o rock. Foi um bom show, exceto pelo fato de Rodrigo e Thiago quase terem sido eletrocutados durante umas performances mais exaltadas. O grande momento da noite foram umas crianças entre cinco e oito anos que nos procuraram depois do show encantadas conosco. Pagou toda a viagem.
12 de fevereiro
Dia seguinte, novo show, dessa vez no “Clube de Campo de Campana”. Havia uma certa tensão no ar se haveria ou não o rock, porque os shows estavam proibidos depois do acidente que matou centenas de pessoas numa boate em Buenos Ayres no início do ano. Saímos cedo para passear um pouco pela cidade, procurar uma lavanderia e tomar umas cervas. Fomos em seguida para o local do show, onde nos ofereceram um churrasco. Sabe aquela lenda de que o churrasco argentino é o melhor? Não sei se é verdade, porque o de Campana é péssimo. Começou bem com um pastelzinho catiguria, mas depois... Nos ofereceram uma tal de “tripa gorda” que era a coisa mais nojenta do mundo. Depois do ‘almoço’ jogamos um pouco de sinuca (as caçapas argentinas são o dobro das brasileiras) com nossos hermanos Pablo e Emiliano, e passamos o som.
Durante a passagem de som um grande susto. O guitarrista de uma das bandas da noite, a Malditos Delenua, teve uma overdose ou um mal estar ou um mau súbito na frente do local do show. Desmaiou espumando pela boca. Um susto terrível. O cara lá deitado no chão. Foi foda. Em menos de cinco minutos a ambulância chegou ao mesmo tempo em que um enfermeiro de uma clínica próxima o socorria e o atenderam ali mesmo no local. Final feliz de uma quase tragédia.
O concerto começou com a All the Hats, tocando uma mistura de rock e ska muito legal. Em seguida subimos ao palco pra mandar ver. Tocamos a insanidade nesse dia, alto, para um publico agitado, que dançava feito loucos. Saímos exausto, insanidade total. Depois vieram os Malditos Delenua que fizeram uma apresentação totalmente foda. Todo mundo cantando todas as músicas. Pareciam hinos de toda uma geração. Lindo. Rolaram varias porradas durante o show, a mais impressionante foi um cara chamando uma menina pra porrada. Voadora foi o golpe mais light que eu vi durante os confrontos. Fomos descansar porque a parte cansativa da tour estaria para começar. Já sabíamos, mas não queríamos acreditar.
13 de fevereiro
Saímos de madrugada, bem cedinho de volta a Guaíba (RS), Brasil. Foi uma viagem extremamente desgastante, fizemos aproximadamente 1.500 km em cerca de 22 horas, non stop. Gastamos um tempo enorme na alfândega na volta para o Brasil, disputando espaço na fila com grupos de turistas. Passamos a viagem agradecendo o sumiço do produtor Tom, uma vez que havia um show marcado em Santa Maria e, obviamente, não daria para chegar a tempo. Chegamos, então, ao nosso destino final por volta das três da manhã. Vocês não sabem o quão estressante é viajar de madrugada. E com chuva. E com fome. Estávamos todos exaustos, absurdamente cansados. Nunca senti tanto prazer em deitar numa cama. Santa Tia Harlei.
14 de fevereiro
Seguimos - atrasados - as 4 da tarde em direção a Curitiba. O atraso foi decorrente da troca de outro rolamento de Rebeca e dos faróis comprados com uma grana emprestada com a prima de Brust. Sem grana e agora, endividados. Uma boa notícia foi achar os óculos cintilantes de Thiago dado como perdido no mesmo posto uma semana antes. O povo do Paraná é realmente honesto. Quem iria querer aquela coisa? Pensamos. Mais tensão no ar, viajando a noite e de madrugada, dessa vez com pressa de chegar ao show. Chegamos em cima da hora. Uma e meia da manhã, num bar meio da moda chamado “Era só o que faltava” onde tocaríamos com a Black Maria. Show bacana, cheio de gente bonita. O som da casa é excelente, com uma infra-estrutura massa. Não era exatamente o nosso público, mas quem viu gostou bastante. O melhor foi que fomos em seguida para um hotel ecológico fenomenal, onde podemos descansar a vontade.
15 de fevereiro
O pneu do carro amanheceu no chão e tiramos o dia pra consertar algumas coisas em “Rebeca”, passear pela cidade e tentar acessar a Internet. No final da tarde fizemos um show no Lino’s Bar, o primeiro bar rock de Curitiba, de propriedade do figuraça Lino. É ponto de encontro, happy hour e fim de noite do rock. Fizemos um show com o White Stripes cover. Esquema meio tosco, mas foi um show cheio de energia. Thiago tava bem mal nesse dia, acho que foi ressaca. Público agitando, performance caótica. Depois do show Rodrigo e Dimmy foram ver um show do Relespública, enquanto eu, Brust e Thiago fomos dormir na casa de Léo Barzi, lendário ex-baxista da Mercy Killing. Não precisa nem dizer que eu incomodei a casa toda roncando sem parar.
16 de fevereiro
Seguimos cedo para Florianópolis. Viagem tranqüila, visual bonito. Paramos numa pizzaria astral montada dentro de um avião antigo. Coisa de turista. A cidade é massa, chegamos de noite, só deu tempo de chegar, tomar um banho, e seguir até o local do show. A cidade é linda, fiquei bastante impressionado.
Tocamos num bar muito bacana chamado “Drakkar”, numa parte linda da cidade. Lotado, afinal havíamos saído em matérias nos dois jornais locais. A abertura ficou por conta dos Monstros da Garagem, tocando um rockabilly da melhor categoria. O nosso show foi insano. O lugar estava repleto de beldades, todo mundo agitando pra caramba, som bonito, tudo lindo. Fizemos um rock de altíssima qualidade, me lembro de uns caras sentados numa mesa que não acreditavam na nossa energia. Showzaço. Vários bis. Depois da festa paramos para um lanche, conhecemos um pouco da região e tiramos um cochilo mínimo pra seguir viagem.
17 de fevereiro
Viagem longa em direção a Rio Claro. Brust optou por umas estradas secundárias de uma beleza fenomenal porque a distância seria menor. Só que não contava com as chuvas constantes de dias atrás que derrubou várias barreiras e interditou alguns trechos. Nenhuma placa avisou-nos. Foda. Tivemos que voltar quase 300 quilômetros, o que atrasou muito a viagem. Chegamos ao local do show, mais do que em cima da hora. Fizemos um bom show, apesar de tocar pra quase ninguém. Era véspera do casamento do Pedrinho, o produtor do show. Foi bacana. Além de chegar atrasados ainda incomodamos bastante dormindo na casa do noivo. Esses Honkers são uns malas!
18 de fevereiro
De volta a São Paulo. Conseguimos chegar cedo dessa vez, e nos instalamos na casa do amigo Bruno Lima. Deu pra descansar, reunir os amigos, e ir em seguida pra Outs. O show contou com toda a baianada novamente, mais Jane, namorada de Brust, que viajou de Salvador pra nos encontrar lá. O Boom Boom Chicks, da nossa chefa Debby Cassano (Ordinary Recordings) abriu a festa com um blues-punk muito bacana. Showzão.
Subimos no palco com a casa já lotada e fizemos um grande show, cheio de energia. Destaque para a participação de Joe em “Between the devil and the deep blue sea”. No final nossos amigos baianos Vitor e Danilo invadiram o palco no melhor estilo Tico e Teco e pularam em cima de Rodrigo que acabou torcendo o pé. Loucura perde mermão. Coisa linda.
19 de fevereiro
Dois shows num único dia. Fomos primeiro pra Campinas, onde tocamos no Bar do Alex, com o Del-o-Max e os amigos da Fluid. Um sinuquinha antes do show pra descontrair, umas cervas e pronto, estávamos prontos pro rock de novo. Esquema tosco, mas um bom show, com muita energia e a galera dançando sem parar. Me diverti muito. Cuspidas de cerveja e água encharcaram Rodrigo e alguns desavisados.
Seguimos pra Sampa onde tocamos na Juke Joint com Lambrusco Kids, e mais umas bandas brutais. O público era bem estranho, formado por um monte de punk veio, bem estereotipados mesmo. Acho que não gostaram muito do nosso som não, mas convenhamos que foi um show bem fraquinho, o cansaço foi foda, não tínhamos mais forças pra tocar. Quando acabou tudo, só tinha gás pra ir pra casa, e olhe lá.
20, 21 e 22 de fevereiro
Três dias de folga, já que o show que aconteceria numa boate chamada The Edge, acabou não rolando. Aproveitamos pra rodar a cidade, visitar amigos, fazer algumas compras, passar na Teodoro Sampaio, namorar instrumentos, tentar arrumar outros, descansar, dormir o máximo possível. Fomos num churrasco catiguria oferecido por Joe, Pitty e seus asseclas lá no estúdio onde eles ensaiam. Coisa fina. Demos uma entrevista na Rádio Brasil 2000 no programa do Kid Vinil e ainda jogamos uma partidinha fenomenal de sinuca com a baianada paulistana (Leão, Paris e Vitor da Drearylands + Eugenio Vieria). São Paulo é foda.
23 de fevereiro
Hora de seguir viagem. Dessa vez fomos a São Carlos, onde tocamos com a Eletrofan, banda bem indie, bacaninha. Fizemos uma apresentação massa, num local legal, e com um som decente. Fora uns probleminhas com a guitarra foi tudo ok. A essa altura do campeonato os shows ficam meio automáticos, afinal esse já era o nosso 17º show em 24 dias. Mas quem tá no rock é pra se fuder, já diria irmã Dulce. Pegamos estrada ainda depois do show para dormir em Araraquara. Um desencontro na porta da casa onde dormiríamos nos levou pra bem longe e perdemos horas preciosas de sono. Só conseguimos contactar o pessoal quando estava amanhecendo. Foda.
24 de fevereiro
As estradas paulistas em sua maioria eram privatizadas e pagávamos pedágio com gosto. Com mais um pneu furado recebemos auxílio na Autoban de um funcionário atencioso e prestativo. Na ida para Campo Grande começamos a perceber pequenas baratas no carro. E em uma das paradas para abastecimento Brust encontrou um ninho de baratas debaixo do banco do motorista. Sinistro. Campo Grande é absurdamente quente, chega a ser inacreditável. Chegamos na casa do nosso amigo George Belasco, onde tomamos um banho e fomos jantar num rodízio de pizza. Comemos como animais, o que acabou por nos trazer um grande problema: Misturar comida em demasia + calor insuportável + show agitado = mal estar e dor de barriga. O show foi ótimo, mas no final não havia mais nenhuma condição de continuarmos, apesar do público insistentemente pedir para que tocássemos, e você sabe, se o público pede tem de tocar. Desespero pra mim é isso. Acabamos o show exaustos. A maioria de nós a procura de um banheiro. Desesperadamente, aliás. Pernoitamos na ‘sauna’ de George mas o cansaço ajudou a relevar o clima de Campo Grande.
25 de fevereiro
Seguimos cedo pra Cuiabá, onde tocamos no pátio da Universidade Federal local. O calor tava um pouco menos infernal dessa vez, mas ainda assim, insuportável. Financeiramente falando essa foi a parte crítica da tour, pois além da grana curta, não havia postos com GNV (Gás Natural Veicular) para abastecer o carro, e a gasolina custava em media R$2,99. Um absurdo! O gás natural é encontrado com facilidade nas capitais. No interior é mais difícil, mas nas regiões Centro-Oeste e Norte só é encontrado em Campo Grande. Tocamos com mais uma cacetada de bandas, fizemos um show bacana para um público empolgado e receptivo. Foda é que dormimos apenas uma hora, e teríamos no dia seguinte uma das viagens mais longas e cansativas da tour, até Goiânia. Todo mundo exausto no carro para mais um dia de aventura. Se bem que o carro era bem melhor que o local que nos arrumaram pra dormir. Ainda bem que tivemos que sair cedo. Além de tudo a produção não pagou o cachê e a gasolina ficou bem mais cara. Vou pensar duas vezes antes de voltar. Aliás, várias vezes.
26 de fevereiro a 28 de fevereiro
Fomos para Goiânia, onde tocaríamos numa mostra de cinema no Teatro Martin Cererê (mesmo lugar onde acontecem os festivais Bananada e Goiânia Noise. Viagem cansativa. Chegamos bem tarde, achamos até que não conseguiríamos chegar a tempo, mas como sempre chegamos na hora do show. Uma rotina desgastante. A estrutura do lugar é fenomenal, com um camarim gigante, banheiro limpo, e um som ótimo. Estávamos todos muito empolgados e querendo fazer um grande show. O começo foi matador, com uma seqüência de músicas mais agitadas, mas o cansaço dos poucos dias dormidos acabaram pesando no final. Mesmo assim foi um show muitíssimo legal.
Saímos satisfeitos para o hotel - aliás, muito bem recebidos por Fabrício Nobre e Léo Bigode, profissionalismo ao extremo - onde descansamos tudo o que podíamos e pegamos aquele café da manhã campeão antes de seguir mais de mil quilômetros de viagem até Vitória da Conquista onde tocaríamos com os Astronautas. Yeah! Grande produção de Gilmar, o mobilizador do rock em Conquista. Era o início da etapa nordestina da tour. Ainda em Goiás tivemos um pequeno problema na estrada, onde furamos dois pneus de uma só vez. A lenda diz que ao ouvirmos o cd do Cascadura esses pneus furavam. Apenas uma alegoria porque já haviam furado dois antes de Joe e Martim nos presentear com a bolacha quando da nossa passagem por Sampa. Um dos melhores discos do ano. Foi trilha sonora da tour com certeza. Assim, o primeiro show da tour que não conseguimos cumprir foi o de Conquista. Mil desculpas. Contudo, a sorte estava conosco e a menos de um quilometro havia uma pousada, Posto Gigante da Serra com preço mais que simpático, com tv a cabo, água quente, ar condicionado. Força dos pneus feita, comemos um buffet gostoso, aproveitamos para ver a entrega do Oscar e descansamos bastante. Entramos na Bahia, mas não voltaríamos ainda pra casa, pois no dia seguinte haveria show em Teresina. Tínhamos, então, tempo de sobra para o próximo compromisso, mas a estrada ainda revelaria surpresas: a primeira no município de Luis Eduardo Magalhães, uma das melhores estradas do planeta. Excelente para o escoamento da soja plantada na região; a segunda (e triste) é que as outras estradas baianas são disparadas as piores do país. Pousamos na cidade de Formosa do Rio Preto (BA) perto da divisa com o Piauí, comemos uma pizza legal e no dia seguinte fomos para a capital deste estado.
1 de março
O Piauí é um estado quente, MUITO QUENTE. O calor algumas vezes beira o insuportável. A divisa do estado é separada por uma barreira no posto da Polícia Rodoviária Federal (mais pela quantidade de vacas e cabritos que pastam do que para controle). Fomos abordados por um patrulheiro e logo depois por um fiscal que nos ofereceu cachaça e ensaiou pedir propina, mas desistiu e nos mandou seguir viagem. Estrada surpreendentemente boa até certo trecho, depois a buraqueira tomou conta. Chegamos em Teresina, tendo a certeza que não haveria ninguém no nosso show. Afinal, tocar numa terça-feira é foda em qualquer lugar do Brasil. Pra nossa surpresa encontramos uma casa cheia. Lado2Éstereo e Káfila fizeram as honras da casa. Tocamos por último, num som ruim, mas foi fenomenal perceber o interesse das pessoas pela banda, agitando em todas as músicas. Final do show, todo mundo exausto, fomos descansar e para a nossa surpresa a temperatura marcava 31 graus a 1h30min da manhã. Impressionante. A hospitalidade do nordestino é impressionante. Fábio – o organizador do show – e sua esposa Fernanda nos cederam sua cama de casal para mim e para Brust. Pombinhos. Outra boa notícia: já poderíamos abastecer com gás natural. Ufa!
2 de março
O destino agora era Fortaleza. Chegamos lá relativamente cedo e podemos contemplar a excelente infra-estrutura do Hey Ho, casa de show que tocaríamos. Um banheiro excelente onde todos tomamos banho. E camarim que deu pra dar uma relaxada. A banda de abertura fazia seu primeiro show, e assim como nós, tocou para os familiares e quase mais ninguém. Mesmo assim fizemos o mesmo rock de sempre. Valeu pelo som fenomenal do lugar. Alguém disse que foi “o melhor show que Fortaleza não viu”. Bebeco, proprietário do estabelecimento rock, hospedou-nos em sua casa depois de um sanduba fantástico.
3 de março
Pela manhã visitamos os tios de Brust que se indignaram porque não nos hospedamos lá. Pessoal simpatissíssimo. Seguimos até Natal e fomos muitíssimos bem recebidos pelo produtor Glauco, com direito a pousada ecológica e rango fenomenal (o melhor da tour). Tocamos com excelentes bandas como Jane Fonda, Bugs e Automatics. Show divertidíssimo. Casa excelente. Público morno.
4 de março
Inicialemente faríamos dois shows no mesmo dia (João Pessoa e Recife), mas infelizmente o segundo acabou não acontecendo. Fomos recebidos na capital paraibana por Eddy, baixista/guitarrista de várias bandas locais (Chico Correa, Zefirina Bomba, Flávio Cavalcanti, Musa Junkie, Zackarias Nepomuceteno, Star 61, ) que nos ofereceu uma espetacular Feijoada. Acho que essa altura a gente nem lembrava mais o que era isso. Depois de uma rápida passeada pela cidade, duas entrevistas e umas cervejas já estávamos preparados para o rock. Tocamos com os amigos-irmão pernambucanos da Rádio de Outono e os espetaculares Musa Junkie (melhor banda que tocou conosco na tour, na minha opinião). Um dos melhores - se não o melhor - show da tour. A empolgação no local beirava a insanidade, com destaque para Jurubeba, o mala que ficou enchendo o saco de todo mundo o tempo inteiro. As pessoas não queriam nos deixar parar de tocar, foi inacreditável. Saímos de lá mais do que satisfeitos. E incomodamos mais uma família com nossos roncos e trejeitos baianos.
5 de março
Partimos para Aracaju de manhãzinha. Chegamos no local do show em cima da hora para aquele que seria o último show fora de casa da tour. Todo o cansaço desapareceu quando vimos uma horda de moleques com camisas da banda no show, que sabiam cantar as músicas, e empolgadíssimos porque estávamos de volta a cidade (desde o Punka). Pena que o som muito ruim não ajudou em nada a festa. Tocamos com energia, mas a péssima sonorização acabou com que fizéssemos um show apenas razoável, e olhe lá. Rodrigo quase morre eletrocutado pela segunda vez na tour. Perigo! Depois do show fomos descansar, já ansiosos com a volta pra casa.
6 de março
Último dia, último show. Chegamos por volta das 17 horas em Salvador. Só tive tempo de ir pra casa, dar um beijo e um abraço nos familiares, tomar um banho, comer alguma coisa, e já segui pro Calypso. Show bacana, alto e cheio de energia. Revimos os amigos, contamos as histórias da tour e no final aquela sensação de dever cumprido. Depois de rodarmos 17 mil quilômetros em 38 dias, só queria voltar pra casa. Mas no próximo, com certeza tem mais.
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