Michel is dead
Sei que muita gente acha que sou a Riga. Pois então: não sou. Sou Flávia, até onde sei e conheci a Riga numa daquelas noites de balada de que ela sempre falava. Puta perda, a Riga tinha mesmo que se matar?? Queria era dar fim ao personagem, mas não tinha a mínima noção de que moravam todas no mesmo corpo. Corpo lindão, aquele. A mulher era russa. Dizia que não:
"- Sou brasileira até na urina".
Todo mundo perguntava porque ela não adotava um nome mais brazuca, afinal Riga Baladievna não a denunciava como mulher verde-amarelo. E é claro que ela sempre xingava quem se metia neste assunto:
"- Vão dar palpite na casa do caralho!! Ia ser lindo eu me esforçando pra ser alguma coisa que sou. Nem mesmo me esforço para não ser uma figura do que vocês me encaixam, vão se foder!"
Engraçado a mulher vociferar aqueles palavrões sem disfarçar o sotaque. Eu me lembro dela, aquela pele branca, braços enormes e sempre cheios de pulseiras tilintantes. Parecia ter uma boceta no meio da testa de tanto que era sexy, mas como uma coisa sutil, sabe?
Ar blasé, sempre bebendo, oferecendo cachaça às duas da manhã, toda vez que ficava pra dormir na sua casa. Puta, como foi sair da minha vida assim? Não se despediu, não me chamou pra ouvir aquela música de que muito gostávamos... Perdôo-te, porque amizade tivemos aquele "a" maiúsculo entre nós.
Nossa!! Ela me ajudou com aquele cretino do Michel. Éramos eu, Riga e Michel nos divertindo em muitas noites. Muitos cigarros. Ele flertava com ela, que nem ligava, não queria nada como ele: tãovulgar, tão simples. E isso o aguçava, desprezo o deixava excitado, só podia ser. Porque me apaixonei por ele e me beijava, me amava, mas não tirava Riga da cabeça. Não era um segredo e eu estava muito confortável sabendo que Riga o tinha nas mãos assim.
Eu a amava muito mais.
De fato, nunca estivemos, os três na mesma cama. Riga sempre prometia isso a Michel e acho que era isso que mantinha o nosso caso mais duradouro. Seis meses e muito "vinho e vela". Demorou um tanto pra ele sacar que isso não iria acontecer e o chato terminou comigo.
Voltamos outra vez, eu tinha quase que implorado, solicitando que "um amor como o nosso não podia morrer tão jovem".
Eu sou uma burra, estúpida!
Quando violei sua conta de e-mail, fiquei sabendo que ele já estava com outra garota e a levando com o mesmo "roteiro" que tinha representado. Passei meses bisbilhotando. Putz, todas as letras, os erros de pontuação, as coisas patéticas que dizia só pra ganhar a coitada, mas terminava com ela do mesmo jeito e logo partia para encenar noutro palco.
Puto!! Tive tanta raiva dele e queria ter até pena das outras, acontece que demonstrar compaixão me colocaria no mesmo barco. Que éque eu tô dizendo? Estive no mesmo barco!
Eu não queria me vingar: e daí que ele continuasse fazendo isso? Não devo nada à classe feminina, nós mulheres não costumamos nos defender como organismo. Não tinha motivo para odiar as meninas também, eu não o tinha amado, só achei que sim pra o romance fluir mais fácil. Não, não é desdém, é racionalismo. O amor tem facetas dissimulativas, mas eu é que não caio nessa.
A ira me subia, sabe? Sempre que eu lia as mensagens de mais e mais meninas, o achava mais e mais otário. Riga tinha que saber de tudo isso. E soube:
- Flávia, tenho a dose de ressaca exata pro Michel.
- Me conta, Riga?
- Eu enxergo tudo daqui, você não vê?
- Não sei o que você quer dizer, mas o que faço?
Preparamos um showzinho para o cara, uma super noite no ap de Rigae sexo era mais que um convite, claro que ele foi. Amarrei as mãos dele para trás, pediu uma venda e Riga:
- Coragem, cara. Você não quer ver tudo??
Ela me beijou e ele sorriu, acenou que sim e pediu-nos um beijo também. Confesso que até ali não tinha idéia do que podia rolar. Riga sabia que eu queria lhe dar sofrimento. Não na mesma medida, tinha queser dor física.
- Precisamos de uma boa trilha sonora.
E ela coloca um punk rock dos sex pistols, me passa um bastão de beisebol e grita:
- Soca ele, bem na boca, não deve sobrar nem um segundo de falso sorriso na cara!
Obedeci. Era o que Riga planejava desde sempre e o que leu no meu subconsciente. Michel chorava. Lembro de ter achado lindo ver aquele ordinário jorrando sangue, lágrima e de estar perplexo, não entendia o porquê daquilo tudo: horas e horas de pancada e sex pistols, nem eu nem Riga o explicamos, não lhe demos o motivo. Na verdade, Riga nem assistia tudo, estava lá, bem próxima, mas parecia mais concentrada no cigarro e noutra bobagem qualquer do apartamento. Talvez a quantidade de poeira acumulando nos móveis ou a fechadura emperrada da janela. Levantou-se duas vezes: uma para achar outro cinzeiro e outra para me beijar. Rindo dele, sempre.
Amava Riga e não entendo porque se matou. No dia que soubemos do seu suicídio, a casa dela estava impecável de limpa, suas pulseiras no braço do manequim roubado duma loja. Mas tudo isso fica para outra história.
Dedicado à Lóki Tati e a Luiz Fernandino.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home