segunda-feira, agosto 22, 2005

Velas e vinho



Acordo de manhã, coisa de três da tarde, mais ou menos. No chão do banheiro. Uma cara estranha no espelho e parece que tem fiapos de alguma coisa roçando a minha língua

- Que porra é essa?! Mais uma ressaca.

É bem conveniente checar meus rins (Ok, estão os dois lá, não vi nenhuma cicatriz). Desconfio destas lendas urbanas, já que não sei como cheguei ao banheiro... Não é nada, passa logo. Preciso apenas de um café, uma blusa com botões, calça, maquiagem para a próxima noite e minha porção mágica.

(o telefone toca)

Daqui, o meu silêncio.

- Alô! Clara? Me pega às nove?

- Não dá, estarei presa na minha crise habitual.

- Sua crise habitual é uma ova! Não venha, não! Te passo cuspe à cara, nigrinha.

Tudo é sempre assim, tão igual. Não consigo dizer não a minha irmãzinha, não surte efeito quando faço. Caralho!! Foda-se Freud! Voltando a mim. Eu, Riga Baladhievna, transparente como meu último copo de vinho, sonho em sair deste círculo de vício. Prometo a família que renego, aos escravos que ainda terei, aos amantes de todos os verões, que esta será minha última noite. Planejo valsar sozinha, tomar um repugnante uísque com vodca e gelo. Vou voar da janela do meu apartamento. Vai ter frango no forno e suco de laranja para os primeiros peritos.

Podem levar também as minhas jóias, não figuram mesmo como meus pertences oficiais. Nunca mais serei Clara. Sou russa, mas ninguém acredita.Te amo e todo mundo ri. Agora, quero dizer, depois do banho e de pôr aminha melhor roupa, virarei comida de verme e assunto para a Patrícia Mello, talvez.

Dou meu fim à idiotia e história por um tempo, minha última arrogância. Não que eu quisesse ser feliz, como todo mundo. Ouvi muitos mitos, mas não pleiteio virar mais um. Só estou aqui, assobiando a minha música predileta, não consegui pensar em outra coisa. Vai ser mais digno sonhar com asas do que virar uma crente, ter um testemunho, que nem sei qual seria.

É assim, fim!

Ainda não! Quero que saia de dentro de mim esta outra pessoa, quero que goze e que cheire a sândalo. Venha! Suba aqui! É hora das velas e dos vinhos. Aumente o som. Mais alto! Coma as panquecas que te preparei, largue este livro, não ria de mim, Riga!

Esquece, vamos tomar um banho e ganhar a gravidade.
- Clara, vaca da patagônia. Você vem, não é?? Às nove, puta!

- Meu nome é Riga!