Velas e vinho
Acordo de manhã, coisa de três da tarde, mais ou menos. No chão do banheiro. Uma cara estranha no espelho e parece que tem fiapos de alguma coisa roçando a minha língua
- Que porra é essa?! Mais uma ressaca.
É bem conveniente checar meus rins (Ok, estão os dois lá, não vi nenhuma cicatriz). Desconfio destas lendas urbanas, já que não sei como cheguei ao banheiro... Não é nada, passa logo. Preciso apenas de um café, uma blusa com botões, calça, maquiagem para a próxima noite e minha porção mágica.
(o telefone toca)
Daqui, o meu silêncio.
- Alô! Clara? Me pega às nove?
- Não dá, estarei presa na minha crise habitual.
- Sua crise habitual é uma ova! Não venha, não! Te passo cuspe à cara, nigrinha.
Tudo é sempre assim, tão igual. Não consigo dizer não a minha irmãzinha, não surte efeito quando faço. Caralho!! Foda-se Freud! Voltando a mim. Eu, Riga Baladhievna, transparente como meu último copo de vinho, sonho em sair deste círculo de vício. Prometo a família que renego, aos escravos que ainda terei, aos amantes de todos os verões, que esta será minha última noite. Planejo valsar sozinha, tomar um repugnante uísque com vodca e gelo. Vou voar da janela do meu apartamento. Vai ter frango no forno e suco de laranja para os primeiros peritos.
Podem levar também as minhas jóias, não figuram mesmo como meus pertences oficiais. Nunca mais serei Clara. Sou russa, mas ninguém acredita.Te amo e todo mundo ri. Agora, quero dizer, depois do banho e de pôr aminha melhor roupa, virarei comida de verme e assunto para a Patrícia Mello, talvez.
Dou meu fim à idiotia e história por um tempo, minha última arrogância. Não que eu quisesse ser feliz, como todo mundo. Ouvi muitos mitos, mas não pleiteio virar mais um. Só estou aqui, assobiando a minha música predileta, não consegui pensar em outra coisa. Vai ser mais digno sonhar com asas do que virar uma crente, ter um testemunho, que nem sei qual seria.
É assim, fim!
Ainda não! Quero que saia de dentro de mim esta outra pessoa, quero que goze e que cheire a sândalo. Venha! Suba aqui! É hora das velas e dos vinhos. Aumente o som. Mais alto! Coma as panquecas que te preparei, largue este livro, não ria de mim, Riga!
Esquece, vamos tomar um banho e ganhar a gravidade.
- Meu nome é Riga!
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