segunda-feira, abril 09, 2007

Dudare Wriwrái, também conhecido como o baixista da banda Vinil 69, meu amigo e a quem agradeço imensamente o relato a seguir. Provavelmente será a última palavra blog a fora sobre o show do Roger Waters no Brasil, mas adoro textos apaixonados, divertidos e este faz jus. Divirtam-se com a aventura de Dudare em Sampa.

The Lunatic is on the Grass


No Lado Escuro da Lua

Querem um conselho? Dinheiro guardado só serve pra uma coisa: assistir a um belo show de rock. Escolha seu ídolo, vai juntando sua graninha. Após anos de labuta e suor você vai ter que gastar tudo num só dia, valerá a pena. No meu caso foi um showzinho barato: R$350 pra ficar na grama, sentado numa cadeira de plástico da Plasvale (não que eu tenha realmente obedecido), mais R$60 da “bomboniere” e R$400 das passagens... R$810! Só pra entrar e sorrir no show. Mas eu juro que valeu cada centavo, e quem foi pode confirmar pra mim.

Em São Paulo, a gente perde duas horas dentro de um carro com muita facilidade. A parte boa é que você pode curtir duas ótimas rádios, a 107,3 e a 102,1 (Kiss FM), onde só passa rock, inclusive as bandas baianas Cascadura e CMTN, mas vocês podem imaginar como foi que eu me senti ao sair quase 19h pra um show às 21h no outro lado da cidade... Pra piorar a situação, dois amigos que estavam na mesma casa que eu, pediram pra passar “ali” pra pegar duas camisas para o show dos 20 anos do Asa de Águia. Você perder o início do show de Roger Waters era um bom motivo pra matar toda a árvore genealógica de Durval Lelys. Felizmente Durvalino escapou desta maldita sina.

O ingresso na verdade custaria "300 conto", mas 50 morreu nas mãos do cambista, Seu Alencar. O cara tem um esquema de pegar ingresso de idoso com os coroas da máfia. Ele garantiu que eu não teria problemas, porque cobram a carteirinha só na compra, mas você fica com um temor incondicional na hora de entrar no estádio.



Dizem que instantes antes da morte, sua vida toda passa pela sua cabeça. Foi o que aconteceu comigo quando eu vi a luzinha vermelha acendendo para o meu ingresso. Caralho! Lá vai a mulher passar de novo e... Vermelho! Mostra pra outro maluco e pensei: tá bom, vou ficar aqui fora tomando cerveja e procurando algum cigano pra cortar os ovos de Seu Alencar. Esta situação não me parecia tão ruim pra uma pessoa que é mestre no jogo do contente. O cara tira o isqueiro do bolso e tchum, queima meu ingresso. Nada demais, os ingressos do setor vermelho estavam realmente dando problema e o meu estava longe de ser o primeiro.

Rapaz, eu posso garantir que a sensação de você estar lá dentro é foda. Fiquei numa paranóia de não tomar cerveja pra não perder um minuto do show ao urinar. Mas como a vida é cheia de surpresas, as luzes do estádio se apagaram justamente na hora daquela temida mijadinha. Já estava dentro do banheiro químico, mas não pude concluir minha tarefa, porque fiquei muito nervoso com o barulhão que o povo fez. Paciência, vou ter minha vida inteira pra mijar em paz.

Saí correndo pra pegar o início apoteótico: "In The Flesh". A primeira parte do show foi realmente emocionante. Pior pra outro amigo nosso que matou uma garrafa de uísque à tarde em casa, e deu uma “cochiladinha” de mais ou menos 2h de duração. Tentamos acordá-lo algumas vezes, mas faltou um guindaste no gramado naquela hora.

Rolaram pérolas como "Shine on You Crazy Diamond", com direito a fotinhas de Syd Barret num telão de altíssima definição que era um show à parte. Pra vocês terem idéia, ao chegar achei que o rádio gigante e a imensa garrafa de Red Label se tratavam de um cenário, pelo efeito 3D que possuiam. Tudo isso com um incrível som Surround 5.1. Imagine um Home Theater pra 45 mil pessoas. Pronto, agora você entendeu.

Mas como eu não viajei 1454km por causa de um mané surround, voltemos às canções. Rolou a clássica "Wish You Were Here", "Have A Cigar" (me fez lembrar muito meu irmão que vivia a cantá-la); "Mother", "Set the Controls for the Heart of the Sun" (bom pra quem tava viajandão); duas músicas porretinhas do “The Final Cut” ("Southhampton Dock" e "The Fletcher Memorial"); e uma de um ótimo álbum solo dele, "Amused to Death". Esta música, "Perfect Sense", é uma mistura de gospel e canção-protesto. Mutcho boa.


Depois dele tocar uma inédita, foi a vez de um imenso porco rosa ganhar o céu paulistano ao som de "Sheep". Teve gente que ficou impressionadíssimo com a situação, mas pra mim foi só um balão rosa. O melhor estaria por vir...

Meu tio Roger deu uma merecida pausa de mais ou menos 15 minutinhos. Mas não estava tão certo disso, porque meu inglês de CCAA não foi suficiente pra distinguir fifteen de fifty. Eu pensei: porra, depois de um showzão desses o cara não vai descansar apenas 15 minutos. É agora que eu dou minha mijadinha! Estava escrito nas estrelas. Eu lá, relaxado, na minha e tcham-ram! Começa a segunda parte do show: “The Dark Side of the Moon” na íntegra! Aí não teve outro jeito a não ser desfrutar a melhor mijada da minha vida. O banheiro químico ganhou proporções inimagináveis e eu pude viajar legal ouvindo "Speak to Me/Breath" (don’t be afraid to caaaaaaaare). Sucesso. De bexiga vazia era melhor ainda.

Depois de "On The Run", veio "Time". Tava na tensão esperando o despertador e, quando ele tocou, eu dei um pinote. Nessa hora eu já tava doido lá na grama. De vez em quando olhava pra trás e via o Morumbi cheio. Putaquepariu! Fiquei loucão com o som. Dei cambalhota, berrava até arrombar os pulmões. Mas chegou a hora de acalmar e ficar boquiaberto: "Great Gig in the Sky" estava igual ao disco, a cantora (Carol Kenyon, que ironicamente foi backing do Pink sem Waters) interpretou a música de forma idêntica à original, sem tirar nem botar uma nota. Antes desta noite, eu achei que isso seira impossível. Aliás, até hoje eu acho que fui enganado. Acho que eles deram uma de Britney e tacaram o playback pra gente ouvir. David Gilmour deve ter assistido esse show e pensado: Filadaputa! Na minha época ela não fazia isso!

Depois da backing do “The Division Bell” ter uma participação brilhante na noite, foi a vez de Dave Kilminster assumir os vocais de Gilmour em "Money". Foi legal, mas nada comparado a "Us and Them". Eu nem a curtia tanto assim, mas ao vivo foi outra coisa. Fiquei altamente reflexivo e cheguei até a trocar umas idéias com Deus. Foi aí que meu lado guru atacou, e eu tive as respostas pra tudo nessa vida.

Mais tarde eu descobri que continuo o mesmo cretino, mas foi bom enquanto durou.

Ainda estava em transe quando tocaram "Any Colour You Like", mas não deu pra ignorar "Brain Damage/Eclipse". Eu era o próprio “lunatic on the grass” e a culpa era toda deles. Talvez de uma centena de pessoas.

Após o show dos Rolling Stones eu agradeci minha mãe por ter me parido, mas desta vez eu percebi que todos são responsáveis (abraços a toda família de Dedeco que nos recepcionou tão bem, a Schleier, Guidão, Beijoca, LP e Galo). Só posso dizer que não dava pra ser melhor. Era o que eu achava, até presenciar o “gran finale” de Roger Waters.

Recebi foi o "Another Brick in the Wall parte 1 e 2" nos peito. Pufo! Depois foi "Vera", que é uma música linda, além de ser a preparativa pra grandiosa e sempre atual "Bring the Boys Back Home". Afinal de contas, sempre haverá garotos pra gente chamar de volta, não é mesmo, Sr. Bush?

Pra finalizar com chave de ouro, "Comfortably Numb". Ninguém pensava em mais nada. Nem mesmo num bis, pois estávamos plenamente realizados e satisfeitos. Na minha cabeça (com a ajuda deste texto, é claro) fica a lembrança de uma experiência inesquecível e inigualável. Se eu puder fazer alguma coisa por você, certamente será te convencer da importância da primeira frase deste texto. Será que Paul McCartney fará mais um show aqui? The Who, Page & Plant, The Police, AC/DC...???