terça-feira, novembro 09, 2004

Um continho do meu falecido site:

Sopa de Cebolas e Batata Frita
Tudo que Marcos possuía na vida estava nos bolsos da sua calça, naquele fim de noite de domingo. Nenhuma emoção, nenhum perigo. Pensou que até os ladrões poderiam estar descansando. Estava mesmo tudo calmo. Pelo menos é assim que o imagino antes de chegar ao Momentaneum. Um inferninho do subúrbio, mas também o lugar onde ele sempre pode tomar uma boa sopa por poucos tostões.
Põe o cigarro na boca, não tem isqueiro ou fósforos e, na droga da rua não passa viva alma a lhe servir fogo. Procura no chão, com tontice, na esperança de encontrar um palito que fosse. Besteira querer tamanha sorte. O cigarro com o filtro todo molhado, já lhe lembra as balas da infância. A vida mais fácil, mais ingênua... Sem cigarros. Coisa que passa, não é nada para mudar a sua falta de humor, além do mais, haveria tantos fumantes lá no bar, talvez até alguém que lhe ceda uma tragada.

Empurrou a porta com o pé direito, as mãos tentavam arrumar o dial do seu walkman e o cigarro quase que caía por um dos cantos da boca. Lisa, a dona da bagaça, abre-lhe um largo sorriso. Ele lhe é sempre a promessa de um bom sexo depois do expediente, por isso a sopa pra ele é muito barata e também vem numa tigela maior que a dos outros apreciadores. Marcos nem sorri. Olha para aquela mulher gorda com a menor cara de sensualidade ou luxúria, mas dá um sinal para que ela se aproxime:

-Belezura, precisamos ter aquela conversa mais tarde. (Afunda as duas mãos naquele traseiro pipocado em celulite e estrias.)
-Vamos ver... E a sopa, de que vai ser hoje??
Ela nem muda a porra do roteiro, sempre assim a se fazer de difícil... Mas Marcos é mais paciente que eu, que apenas observo. Ri, como que timidamente e acena concordando. Pede sopa de cebolas e uma porção de batatas fritas. Os olhos então iniciam a caça de alguém pra lhe dar fogo.
Tem várias rosas de outono tentando arrancar a grana dos costumeiros bêbados do bar, mas essas putinhas, mesmo as mais pobres, vivem com essa mania de dieta, de cuidar do corpo, vida saudável e parará. As quengas deviam carregar isqueiros, servir ainda melhor os seus clientes, assim como é no primeiro mundo. Essas vacas não têm a menor noção de marketing aqui. Portanto, arranjar fogo com elas, só aquele que o capeta permite. Vou esperar que Marcos se arranje com acendedor de fumo noutra galera.
Mais adiante, perto da cadeira do balcão em que está sentado, percebemos dois anões numa mesa, relatando suas conquistas amorosas. Eis nós dois, criador e criatura, totalmente abobalhados com as aventuras daquelas figuras:

-Meu irmão, o negócio é o seguinte: tu pensa que as mulé de cadeira de roda não estão com nada, é porque tu nunca comeu nenhuma. No dia que a sua porrinha entrar na raba de uma dessa ai, tu vai entender o que tô falando.
-Ô bródi, tu é meu camarado. Tá querendo me passar a gabela de que comer uma mulé que não sente porra nenhuma da cintura pra baixo é delirante? Ah, vai se fudê!! Digo mais, tu nunca comeu paralítica nenhuma, tá é de trêta comigo.

-Rapa, tô te falando... E tem mais, como uma toda quinta - feira, é uma grã-fina ai, às vezes até me dá uma grana pelo meu bom serviço. A mulé é fogosa demais, só tô abrindo o lance pra ti, porque ela quer trepar com dois ao mesmo tempo. E como você é cumpade...

-Vem com essa não, ô mané! Tu quer é me enrabar e já tá de cana alta, por isso não vai levar uma tapa nas fuça agora. Vou considerar...

-Véi, pois eu fiquei intrigado com a dama. Mas já faz quintas que ela só toca nesse assunto de trepar com dois. Eu não queria, sei lá... Vai que a vaca tá me aprontando alguma, eu não quero sair de otário pequeno. Além do quê... Dividir mulé assim, não é a minha, mas a mulé quer, vou fazer o quê?? Pensei em tu, que é macho, calculando que não vai mexer com as minhas bolas na hora da alegria.

Tava bizarro de ouvir aquilo. Marcos nem tinha mais cigarro na boca, tampouco se importava em acendê-lo. Sei bem o que tinha na cabeça. Tava tramando um bizarre love triângulo. Porra, que cara doente: trepar com uma aleijada e um anão!! Misericórdia!! Mas não é que o cara já tava de pau duro?? Eu ali.. de observar. Sabe como é, né? É daí que sai a ficção. Só que... tá sabendo, nem no cinema já se viu uma coisa dessa.
Marcos, empossado de atitude, foi interromper a conversa dos caras:

-Olha só, meu bom, eu sei que você não me conhece. Daí, aperte logo aqui a minha mão, porque a partir de hoje, vamos ser parceiros.
O anão que tava sugerindo todo o lance pro outro anão, mesmo desconfiado, apertou a mão de Marcos. Ficaram ali se esticando, fazendo caretas, dissimulando, enquanto sei que Marcos xavecava a possibilidade de comer a dona de cadeira de rodas. Não demorou muito não, coisa assim de uma meia hora. A sopa que Lisa tinha levado pra ele ainda tava morna, mas nem se abalou com a fome, tampouco com os olhares esperançosos daquela mulher gorda. Naquela noite, sexo com ela, nem pensar!!

Também não demorou nada pra Marcos seguir o anão. Ninguém podia dizer o que tinham combinado ao certo. Eu é que não ia atrás pra saber, tenho mais imaginação do que os filmes de sacanagem. Só posso lembrá-los de que não era quinta – feira e comunicar que nunca mais vi o amigo Marcos.